Web Summit, maior evento de inovação do mundo, mostra uma visão positiva do uso da tecnologia e diz que lucro e felicidade humana podem caminhar lado a lado

Participar do maior evento de inovação do mundo, com mais de 70.400 pessoas lotando um imenso centro de eventos com 24 trilhas de palestras simultâneas, é uma oportunidade para um choque de realidade. O Web Summit, ocorrido neste mês de novembro em Lisboa, mostrou na prática que as inovações que ocorrem em um setor têm impacto sobre o que acontece do outro lado do planeta, em um outro segmento de negócios. Como uma versão em miniatura do mundo em que vivemos, pudemos perceber como ideias de fontes diferentes se combinam, recombinam e são ressignificadas, gerando novos insights, parcerias, relacionamentos e oportunidades.

A grande riqueza do Web Summit foi, sem dúvida, sua diversidade. Com pessoas de todo o mundo e de todo tipo de background, o evento foi um grande espaço para geração e troca de ideias. Circulando nos pavilhões que reuniram mais de 1200 startups, pudemos perceber as apostas do mercado em tecnologias como Inteligência Artificial, Internet das Coisas e monitoramento do comportamento do consumidor. Mas a startup vencedora do concurso promovido pela organização do Web Summit foi a Nutrix, que desenvolve um dispositivo de medição de glicemia sem uso de agulhas. Um bom exemplo da diversidade do evento.

Com tamanho volume de conteúdo concentrado em um único lugar, é difícil definir grandes temas e conclusões do evento. Cada participante certamente teve sua própria aventura no Web Summit e teve visões diferentes do que aconteceu por lá. Considerando a realidade do varejo brasileiro, podemos trazer alguns insights relevantes. Sem ordem de prioridade, aqui estão eles:

1)     Uso de dados x privacidade

Essa foi a grande discussão no Centre Stage, o maior pavilhão do Web Summit. Foi lá que nomes como Edward Snowden, Brad Smith (presidente da Microsoft) e Margrethe Vestager (comissária da União Europeia para assuntos de concorrência e crítica ferrenha do poder das big tech) abordaram, sob diferentes perspectivas, o uso dos dados pelas empresas e seus efeitos sobre os consumidores.

Para Snowden, é um erro encarar a GDPR, lei europeia de proteção de dados, como uma solução para os problemas de privacidade. Segundo ele, o foco em data protection dá a entender que só existem problemas se os dados estão desprotegidos, mas é preciso cobrar das big tech, como Facebook, Google e Apple, um uso ético das informações dos clientes.

Brad Smith, da Microsoft, jogou lenha nessa fogueira ao cobrar que as próprias empresas parem de encarar os dados como uma fonte de lucros fáceis. Ele diz que é preciso ter respeito pelas informações dos clientes e usá-las com cuidado, preservando os valores humanos. Por isso, ele cobrou barreiras de proteção para que a tecnologia não seja usada para o mal.

2)     O poder do 5G

A nova geração das comunicações deverá representar um salto exponencial em relação ao que conhecemos. Para o chairman da Huawei, Guo Ping, o 5G, quando aliado a Inteligência Artificial e Internet das Coisas, irá mudar o mundo, permitindo comunicações instantâneas, carros autônomos e um nível de conectividade nunca visto. Para ele, a internet 5G será como a eletricidade: usamos sem nem pensar em como chega até nós e não conseguimos viver sem.

Ronan Dunne, VP Executivo da Verizon, foi além e deu 8 motivos que fazem do 5G uma tecnologia revolucionária. Para ele, o potencial é grande a ponto de ajudar a reverter os problemas ambientais do planeta. Pode ser que isso aconteça, mas mesmo que não cheguemos a esse ponto, prepare-se para um mundo de objetos conectados, comunicação instantânea com qualquer lugar do mundo e alta capacidade de troca de informações. De pessoas para pessoas, pessoas para máquinas e máquinas para máquinas.

3)     Sustentabilidade é obrigação

Esse foi um assunto surpreendente. Não pela novidade, mas pela seriedade com que está sendo encarado. No Web Summit, sustentabilidade não foi uma palavra bonita ou uma forma de parecer melhor aos olhos dos clientes: o discurso das empresas é de que elas precisam assumir uma posição de protagonistas nas mudanças do mundo. E isso começa pelo impacto ambiental.

Não é à toa que a rede de móveis IKEA anunciou o compromisso de, até 2030, só trabalhar com produtos reutilizáveis ou recicláveis. A empresa também está desenvolvendo um modelo de venda de assinaturas de móveis, para que os clientes usem somente pelo tempo que desejem e depois devolvam os produtos. Tommy Hilfiger, Calvin Klein, Rent the Runway e muitas outras empresas também tocaram no tema, mostrando que ele precisa ser uma preocupação genuína das empresas. Nem que seja porque o cliente se mostra preocupado com o assunto.

4)     Um mundo people driven

Os dados movem as decisões   das empresas, mas os dados representam a “pegada digital” das pessoas. Por isso, as empresas precisam olhar um pouco menos os dados e compreender quem são as pessoas que estão gerando essas informações. Em vez de data driven, devem ser people driven. Decisões tomadas por pessoas (com apoio da Inteligência Artificial) para melhorar a qualidade de vida de outras pessoas em qualquer lugar do mundo.

Esse posicionamento apareceu em muitas ocasiões: o ator Jaden Smith mostrou a sua startup de purificação de água, enquanto o cantor Akon falou sobre a Akoin, uma criptomoeda que pretende facilitar o empreendedorismo nos países africanos. Nesse mundo people driven, a venda é uma consequência de um relacionamento baseado no contexto e na compreensão de quem é o cliente e o que ele valoriza. O conteúdo autêntico gerado pelas marcas empodera os usuários (por sinal, foi interessante perceber que muita gente usou a expressão “usuário” em vez de “cliente” ou “consumidor”) e ajuda a espalhar valores positivos pelo mundo.

A conclusão é positiva: se usarmos a tecnologia de forma ética, para o bem de todos e a melhora da qualidade de vida da população, será possível criar um mundo melhor. Isso não significa deixar de lado os lucros: eles virão de qualquer maneira, pois a empresa será relevante para seu público.