Desenvolver modelos de negócios baseados na coleta e análise de dados é fundamental para ganhar espaço no varejo
Nos últimos anos, o uso de dados se tornou não apenas necessário, mas essencial, para uma gestão eficaz dos negócios. A quantidade de dados gerados por consumidores e empresas é cada vez maior e, quanto mais digitalizada a sociedade, mais informações sobre o comportamento dos clientes são registradas. Isso significa que as mudanças que virão serão ainda mais intensas.
O que começou como big data no varejo avançou rapidamente. As empresas têm percebido que tecnologias como Business Intelligence são uma parte importante da transformação do varejo e da criação de novos negócios, mas não são o ponto mais relevante. O varejo inteligente não é aquele que coleta dados, mas sim aquele que trabalha de forma eficiente com eles. É o que tem sido chamado de Deep Retail: um varejo mais técnico, científico, que adota uma cultura data-driven e toma decisões com base em dados e não em “achismos”.
Um bom exemplo é a rede de supermercados Hema, do grupo chinês Alibaba. A marca tem a proposta de entregar pedidos online em até 30 minutos em um raio de 3km de suas lojas físicas. Ao coletar continuamente os dados dos clientes nos PDVs e no site, cruzando-os com as informações de sua plataforma de pagamentos (o Alipay), a empresa consegue saber quem são os consumidores e entender seus hábitos e comportamentos. Com base nessas informações, o Alibaba define não apenas a localização das lojas Hema, mas também o sortimento de cada PDV, customizado para cada micromercado.
A Amazon é uma referência no varejo ocidental. Em seu conceito de loja Amazon 4-Star, a empresa reúne somente produtos avaliados pelos consumidores da região com pelo menos quatro estrelas. A ideia é fazer a curadoria de produtos e apresentar no PDV itens que sejam relevantes para a população do entorno e sejam bem avaliados. Já nas lojas Amazon Books, o sortimento é definido segundo temas interessantes para a população do mercado onde o ponto de venda se encontra e as avaliações e reviews dos clientes são expostos como forma de estimular o consumo. A própria categorização da loja segue uma lógica diferente, focada no que é relevante para o cliente.
Cultura data-driven: o pilar fundamental
É sempre muito interessante ver os exemplos internacionais (ou mesmo nacionais, como o Magazine Luiza) de transformação digital e de criação de negócios orientados a dados. O que nem sempre fica claro, e que é na realidade o aspecto fundamental desses negócios, é o fato de que empresas digitais são baseadas em uma cultura data-driven. Tudo começa no mindset das equipes. E esse é o maior entrave à transformação das empresas.
No Brasil, oito em cada dez executivos acreditam que a transformação digital tem um impacto decisivo sobre seu mercado. Oitenta e quatro por cento dizem se sentir preparados para implementar um mindset digital, mas 71% acreditam que suas empresas já estão prontas para essa mudança. Para eles, tecnologia não é o fator que trava a transformação digital: a grande questão é a criação de uma cultura data-driven, em que toda a empresa utilize os mesmos princípios e comportamentos para lidar com os clientes, internamente e em suas relações de negócios.
Uma cultura data-driven é, em sua essência, baseada em práticas de modelos ágeis de negócios. Por isso, é uma cultura focada em atender o cliente, desenvolver rapidamente soluções para os problemas que o consumidor tem e não esperar que uma solução esteja 100% pronta: é mais importante desenvolver uma versão minimamente funcional e ouvir o feedback dos consumidores para melhorar rapidamente.
Uma cultura data-driven se baseia em três pontos:
· Desenvolvimento de soluções: com base em um “ponto de dor” percebido, a empresa cria rapidamente uma resposta que atende a essa necessidade. O mais importante é ter uma solução ainda incompleta, mas que permita obter um feedback;
· Ouvir o cliente: a opinião do consumidor é o que faz a diferença nesse processo de desenvolvimento. A criação rápida de uma versão “beta” que possa ser apresentada para o cliente e gere inputs para aperfeiçoamento é essencial para que o processo funcione corretamente;
· Usar o feedback do cliente para o novo estágio de melhorias: um produto nunca está pronto. Na realidade, ele está sempre em evolução para atender às demandas do público consumidor.
Em uma cultura data-driven, as informações sobre o que o consumidor precisa e os dados obtidos com seu feedback geram oportunidades constantes de melhoria. A empresa passa, então, a determinar seus caminhos com base nos dados de que dispõe. Quando a cultura corporativa olha para o cliente e considera suas necessidades (e não as limitações da empresa), o modelo de negócios muda: em vez de entregar para o cliente aquilo que ele nem sabia que precisava, a empresa que tem uma cultura data-driven desenvolve e entrega rapidamente aquilo que o cliente quer.
Isso exige que a estrutura da companhia mude: em vez de atuar em departamentos focados nas necessidades internas, a cultura data-driven exige que as empresas passem a atuar de forma multidisciplinar, com foco em agregar valor para o cliente. Times autônomos e com múltiplas competências passam a visualizar a necessidade do consumidor do início ao fim. A demanda passa a ser independente das rotinas de cada departamento da empresa.
Essa não é uma mudança simples. O desenvolvimento de squads, que são os times multifuncionais das startups inovadoras, gera autonomia e agilidade, mas, antes disso, demanda um período de forte adaptação. O ideal é que parte da empresa adote esse modelo e, gradativamente, todas as funções corporativas sejam reestruturadas.
Nem toda empresa começa do zero, como uma startup. Mas todas as empresas precisam quebrar paradigmas e adotar modelos de negócios mais ágeis, exigidos pela cultura data-driven. O futuro das empresas está na maneira como elas coletam e usam dados para impulsionar o desenvolvimento de suas operações. Isso exige que elas se transformem, por mais dolorido que isso possa ser.